quinta-feira, 11 de junho de 2009

La vie en rose ou Um dia de dona de casa (Dia 10 - 23.maio)

Dormi no campo de concentração num colchão sem lençol ("las sábanas son 2 euros, guapa"), agarrada com minha mochilinha, de sapato e tudo. Queria que as 5 horas de sono passassem rápido pra eu correr pra casa do Jair. Difícil, pois ali onde fica o hostel A&A a galera fica nas ruas até altas da madrugada basicamente gritando e quebrando umas garrafas.

Devo dizer que não sou uma pessoa consumista. Quando cheguei em São Paulo, o que trouxe da viagem cabia numa mesinha de centro. Me divirto mais vivendo que comprando. Ou talvez seja, sim, consumista, mas de uma forma diferente. Basta ver que um mercadão me traz felicidade e eu trouxe um pedaço de porco defumado e trufado na mala. O problema é que dentre essas poucas coisas estavam um monte de enlatados maravilhosos que comprei em Lisboa (tem até ova de bacalhau), tinha os 2 vinhos que ganhei na degustação, tinha os malditos guias que eu levei a mais e não podia me desfazer porque são da biblioteca do jornal, um sapato e um tênis a mais etc. Muitos quilos.

(Depois piorou: o volume era o mesmo, mas o peso aumentava a cada cidade por conta de latas, garrafas, pedaços de porco. Por isso, em cada cidade eu deixei um monte de coisas: camisetas velhas que eu tinha pena de me desfazer, tênis idem, cosméticos, jornais e por aí vai, até um cadeado de bicicleta _ãhn, pra que eu levei isso? o medo de me levarem a mala no trem era tão grande??)

Então, por causa do peso não saí CORRENDO pro Jair, peguei um taxi mesmo, o primeiro da viagem, era perto, foi barato, mas o Jair não tava pronto, fiquei uma hora na pracinha olhando pro nada (mentira, eu li um jornalzinho inteiro, de dois dias antes, que tava jogado no canteiro) sentada na mala esperando a hora de tomar banho, abrir a mala, cortar as unhas, ligar a TV, dormir. E tirar a marca estranha que a cidade imprimiu em mim. A marca boa era pra ficar.

(A moda entre os jovens em geral em Barcelona, aliás, é uma coisa meio tuareg, meio arábia, meio moura, calças-aladim, sapatos de couro bruto costurados a mão, muito dread e panos na cabeça e pescoço _é bonito, mas fica feio ver TODO mundo assim na micareta).

Bom, recomendações feitas, explicações sobre o funcionamento das coisas, onde deixar chaves, telefone de um cara caso necessário e Jair seguiu pra sua viagem com a Palena. E eu quase chorei de emoção e arranquei tudo-tudo-tudo da mala e fiquei pelada, e continuei ouvindo o rádio que já tava ligado, e dancei e cantei, e comecei a lavar roupa (a máquina lavava E secava logo na sequência), e liguei a TV e comecei a adorar o catalão, sem entender nada e entendendo tudo, porque tem umas palavras iguaizinhas, mesmo na pronúncia.


O apê.

Passei a tarde arrumando coisas, separando outras pra deixar por Barcelona, organizando papéis, lavando muitas roupas, tirando esmalte, me divertindo com programas péssimos na TV. Daí, saí pra comprar água, comida, jornal (é, eu lia jornal). Andar pelo bairro da Barceloneta. Que é um bairro antigo, cheio de velhinhos que vivem ali desde que nasceram e vivem em situação difícil por conta do estado dos imóveis decadentes e sem ajuda do Ayuntamiento (a prefeitura) pra nada. E com uma invasão de turistas, que como "eu", alugam os apês na beira da praia para passar o calor europeu (ainda é primavera, no verão a coisa deve ficar pior pra eles, que reclamam muito do modo como as pessoas de fora se comportam. É assim em todo lugar turístico, na verdade.)

Estava quase tudo fechado, menos os mercadinhos dos paquis, que não fazem a siesta e costumam ficar abertos mesmo até a madrugada, dependendo do caso, do local e da natureza do estabelecimento. E ele me indicou um outro mercado onde eu poderia comprar verduras.

Então, a única refeição cozinhada por mim na viagem toda!

Os ingredientes:


Couscous marroquino, aspargos frescos, alcachofras, corações de alface.


Acompanhava um pão gostoso, um pouco de salame, um ovo (estava sentindo falta de comer ovo!), levava bastante alho e azeite tudo, que disso é feita uma vida boa. A saladinha com limão siciliano, e umas azeitonas com pimientos.

Nada muito sofistiquê, mas muito gostoso. Apesar de os aspargos e as alcachofras terem passado do ponto de cozimento, já que nunca tinha cozinhado num fogão elétrico, o que faz toda a diferença; eu não entendia como controlar a intensidade do calor, e mesmo depois de desligado, claro, ele continua quente. Mas ficou bom, ficou ótimo, ficou dos deuses, só porque fui eu quem fez e porque eu sabia exatamente o que estava comendo. E olhando agora, faltou cor nesse prato, Só tinha verde e amarelo!!

Descansei mais, dormi, e resolvi sair para dar uma volta mais tarde.

Do lado de casa, tomei uma caña escrevendo no meu caderninho, e ajudei o moço da mesa ao lado a se comunicar com o garçom, já que falava inglês e espanhol. Expliquei pro garçom o que ele queria e seguimos conversando.

Essa coisa de viajar sozinha é interessante, porque acabei conhecendo um americano-californiano de origem persa chamado Shar (é o diminutivo, o nome mesmo é Shahriar e eu tive que olhar no bloquinho). Ele estava num congresso de cardiologia, e eu, amante de todos os seriados médicos dos EUA, comecei a falar sobre E.R., Grey's Anatomy, Scrubs... Shame on us, porque nem ele era cirurgião e nem eu sabia tanto de medicina. E falamos bastante sobre a situação dos jornais nos EUA (que está periclitante), no Brasil, as diferenças técnicas, gráficas e jornalísticas e tal. Foi legal. O jornal e a medicina.

Saímos pra caminhar e tomar uma caña na frente das docas, lugar lindo. Tomamos mesmo só uma, porque o objetivo dele era ir pro cassino da Vila Olímpica e o meu, ir pro sofá-cama de casal com direito a TV e sanduichinho de salame pré-capotamento.


Eu e Shar, que disse ser republicano, capitalista e ter nariz de judeu, o que segundo ele, lhe confere sorte e dinheiro nas negociações de trabalho.

2 comentários:

Beatriz Antunes disse...

Cozinha isso (exatamente assim) pra mim um dia? Os corações de alface me enterneceram, e a falta de vermelhos e outras cores não fez do prato algo menos interessante daqui. Delícia vegetariana.

fernanda giulietti disse...

Cozinho _a gente compra tudo lá no Mercado da Boquería o dia que formos para Barça. E o ovo quebrou a vibe vegan do negócio, né?